ONGs fazem levantamento extraoficial sobre violência pela falta de dados públicos.
Números foram revelados na reportagem da série 'De toda cor', do J10.
230 pessoas LGBTQIA+ morreram de forma violenta em 2023.
De toda cor: A cada 38 horas, uma pessoa LGBTQIA+ morre no Brasil Uma pessoa LGBTQIA+ morreu de forma violenta no Brasil a cada 38 horas em 2023.
A informação foi revelada na série ‘De toda cor’, do Jornal das Dez, da GloboNews e leva em conta um levantamento feito pela Associação Acontece Arte e Política LGBTI+ e outras organizações. Faltam números oficiais da violência contra pessoas LGBTQIA+ e, por isso, os casos vêm sendo compilados por ONGs e associações.
No ano passado, foram 230 mortes violentas, 16% a menos que o ano anterior.
Do total, 212 foram assassinadas e 18 cometeram suicídio, também considerado morte violenta quando a causa é a LGBTFobia.
Julia Nicoly, 34 anos, foi mais uma entre tantas vidas tiradas a força e de forma cruel.
Ela foi assassinada por dois homens, um deles está preso.
Julia foi encontrada amordaçada e esfaqueada dentro de casa, na Baixada Fluminense.
Julia Nicoly, 34 anos, foi assassinada por dois homens em 2023 Acervo Pessoal “É um processo, né, a perda ela é um processo, o luto ele é um processo.
A gente não aceita essa crueldade e principalmente a pessoa que ela era.
A Julia era uma pessoa que não tinha maldade com ninguém então eu nunca imaginei que alguém teria tanta crueldade com ela desse jeito", disse Laura Cristina Moreira Silva, irmã de Julia.
Um ano antes de ser assassinada, Julia chegou a ser agredida e esfaqueada.
“Infelizmente, no século 21, 2024, ainda existe o preconceito com elas, e com eles”, lamentou Laura.
"Eu falava pra minha irmã.
Vai lá denunciar.
Não deu em nada, não deu em nada.
Eles falaram pra minha irmã, pode voltar lá que o ‘fulano’ tá preso.
Hoje ela tá onde? Ela tá morta, ela tá debaixo da terra.
Então qual a segurança que a gente tem?”.
Laura Cristina Moreira Silva, irmã de Julia, falou sobre a morte da irmã para a série ‘De toda cor’, do Jornal das Dez Andressa Gonçalves A maioria das vítimas de mortes violentas no ano passado tinha entre 20 e 29 anos, vítimas de armas de fogo, esfaqueamento ou espancamento.
Metade dos crimes aconteceu em espaços públicos.
“A gente supõe que tem muita subnotificação porque uma coisa que a gente vê em estados que são mais articulados em relação a essa pauta é que tem uma maior notificação de casos.
Então, a gente supõe que vários outros estados em que isso não aparece não é porque não ocorre, mas é que não sai nas notícias jornalísticas.
A principal fonte de dados, são notícias jornalísticas e isso já restringe a realidade.
Existe muito mais coisas além do que a gente consegue acessar nisso.
A gente tem buscado formas de tentar diminuir as lacunas, via LAI, a Lei de Acesso a Informação, principalmente com secretarias de segurança pública, apesar de que várias delas se negam, falando que esses dados são sensíveis a LGPD (Lei Geral de Proteção a Dados”, explicou Pietra Fraga do Prado, coordenadora geral do observatório de mortes violentas da Acontece Arte e Política LGBTI+.
Travestis, mulheres trans e homens cis gays são a maioria entre as mortes violentas de pessoas LGBTQIA+.
São Paulo, Ceará e o Rio de Janeiro aparecem no topo do ranking dessa violência.
Entre as capitais, São Paulo, Manaus e Rio.
Luta por políticas públicas Pietra Fraga do Prado, coordenadora geral do observatório de mortes violentas da Acontece Arte e Política LGBTI+, foi uma das entrevistadas da série ‘De toda cor’, Andressa Gonçalves O Ministério Público Federal no Acre recomendou ao Ministério da Justiça que inclua informações como orientação sexual, identidade de gênero, nome social e motivação LGBTFóbica nos registros de ocorrência.
A sinalização da pasta foi positiva.
“Historicamente a coleta desses dados, no Brasil, começa com o Grupo Gay da Bahia que passa a fazer a coleta desses dados através de notícias jornalísticas e posteriormente outras associações como a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil, também fazem, através dessa metodologia, a coleta desses dados de violência LGBTQIA+, mas é importante que se reconheça que esse papel é do estado brasileiro e do governo federal”, afirmou Lucas Dias, procurador da república no Acre.
O MPF passa agora a acompanhar para verificar se os dados serão produzidos e realizados de forma satisfatória pelas polícias e se haverá avanços nos próximos anos.
O MPF também recomendou capacitação das polícias para o atendimento do público LGBTQIA+ em situação de violência.
"Nós contratamos uma consultoria, que fez um levantamento, uma pesquisa, sobre como os estados têm se posicionado nesse sentido.
O que a gente encontrou foi uma diferença muito grande, entre as unidades da federação.
Tem estado que sequer registra, tem estado que tem registros e protocolos e tem fluxos e aqueles que ainda não sabem como lidar.
Esse levantamento está sendo finalizado neste ano para aí chegarmos na segunda etapa, que é a etapa que a gente volta nos estados, com o projeto fechado”, explicou Symmy Larrat, secretária nacional dos direitos das pessoas LGBTQIA+ no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Situação nos estados Um levantamento exclusivo da GloboNews, com todas as secretarias estaduais de segurança pública revela que, dos 26 estados e o Distrito Federal, 20 incluem os campos nome social, identidade de gênero e orientação sexual nos boletins de ocorrência.
Seis não incluem ou não responderam ao questionamento.
E dos 20 estados que incluem as informações, apenas 10 conseguem divulgar os dados sobre a violência contra a comunidade LGBTQIA+.
"A secretaria de segurança pública, a delegacia, não têm capacitação para investigar essa hipótese, mesmo porque eles não entendem o que é orientação sexual, o que é identidade de gênero, e nos dados em si foi muito frequente que eles errassem.
Na orientação sexual colocava que era mulher, não é disso que se trata.
Como você vai confiar nos dados que vêm de uma instituição que é de LGBTfobia institucional?”, indaga Pietra.
“Quando uma pessoa LGBTQIA+ chega no ambiente policial é importante que ela se sinta acolhida e que esse ambiente saiba fazer o registro adequado, sem constrangimento, sem nenhum tipo de discriminação, sem nenhum tipo de atendimento vexatório”, comentou Lucas.
“Há um processo de desumanização da nossa existência, de tirar a gente do lugar da humanidade.
Só a política pública por si só, não dá conta”, finalizou Symmy Larrat.