Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados condenou proposta.
Texto foi aprovado em primeira votação na Câmara de SP e estabelece inúmeras exigências para entidades e pessoas físicas doarem alimentos.
Padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua de SP, vê medida como 'punição aos pobres'.
Manifestantes com cartazes em protesto no Centro de SP Divulgação/ Articulação Permanente de Direitos da População em Situação de Rua A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo disse nesta sexta-feira (28), por meio de nota, que o projeto de lei que prevê multa de R$ 17 mil a quem descumprir determinados requisitos sobre doação de alimentos a pessoas em situação de rua na capital é inconstitucional.
O texto foi aprovado em primeira votação pela Câmara dos Vereadores de São Paulo nesta quinta (27) e recebeu inúmeras críticas de ONGs e entidades.
"Se todos são iguais perante à lei e aos poderes públicos constituídos, não pode o Município se sobrepor às relações humanas e às relações interpessoais.
Desta forma, a Câmara não pode, em hipótese alguma, proibir que pessoas doem a outras pessoas, seja alimentos, bens ou afetos." No texto, a Comissão Permanente de Direitos Humanos da OAB-SP aponta que a proposta, configura "em uma ação de abuso de poder por parte da Câmara ao requerer que doadores e pessoas atendidas tenham que solicitar autorização para tal ato." . Logo após a aprovação na Câmara, a prefeitura afirmou que analisaria o projeto, caso ele fosse aprovado em segunda votação.
Nesta sexta, após repercussão negativa, Ricardo Nunes (MDB) afirmou que irá veta-lo.
Entidades criticam Ao g1, os representantes de ONGs que atuam com pessoas em situação de rua apontaram que exigir listas, documentos e autorizações são "arbitrariedades sem sentido ou base que, com certeza, afastarão voluntários e inibirão o trabalho humanitário realizado hoje pelas ONGs na cidade". "A proposta encabeçada pelo vereador Rubinho Nunes [União] novamente mostra um profundo desconhecimento dele em relação à realidade da população vulnerável na cidade.
Centenas de entidades fazem o trabalho que a prefeitura deveria fazer, mantendo essas pessoas vivas, alimentadas e protegidas do frio.
São grupos de voluntários.
Muitas dessas ONGs são formalizadas, mas muitas não são, justamente por se tratar de projetos formados por cidadãos que resolveram fazer o que o Estado falha em fazer", destacaram Thiago Branco, fundador da ONG Mãos na Massa, e Christian Francis Braga, fundador do Instituto GAS. Pai Denisson D’Angiles, fundador do Instituto CEU Estrela Guia, disse estar estarrecido com o projeto de lei. "Quando alguém com o poder de legislar sobrepõe as suas vontades próprias em vez de coibir a fome, nos preocupa muito.
A fome está latente no coração da cidade.
Uma pessoa com um pouquinho de discernimento, com um pouquinho de razão, jamais cercearia este bem-estar, cercearia a vida de uma pessoa".
A Ação da Cidadania, uma das maiores ONGs de combate à fome no país, também criticou o projeto: "É triste observar que representantes políticos da maior metrópole do país estabeleça critérios para que a sociedade civil cumpra com um trabalho que deveria ser uma atribuição do poder público, sob consequência de pagamento de multa de até R$ 17 mil, além de tantas outras barreiras burocráticas com o claro objetivo de desencorajar a atuação de organizações não-governamentais e entidades que distribuem refeições diárias para quem não tem o que comer", destacou a entidade. Em nota, Rubinho Nunes (União), autor do projeto, afirmou que "o objetivo do projeto é garantir protocolos de segurança alimentar na distribuição, prestigiando a higiene e acolhimento das pessoas vulneráveis durante a alimentação".
Disse também que "alguns veículos deram uma interpretação errada e desvirtuada sobre o projeto". "O projeto também otimiza a assistência, pois evita desperdício e a venda de marmitas para compra de drogas devido a distribuição concentrada, o que prejudica a ajuda a pessoas em regiões mais afastadas da cidade", completou.
'Punição aos pobres' Ao g1, o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, disse que o PL é mais um projeto "aporofóbico, de punição dos pobres e daqueles que estão ao seu serviço'.
"Segurança alimentar em momento de fome, de crise, e de tanta gente sem condições, se chama a prato de comida".
Na avaliação do padre, entretanto, o projeto não deve avançar.
A proposta foi rapidamente condenada por diversos movimentos que atuam na assistência da população de rua.
"São muitos grupos, muitos.
Evangélicos, espíritas – que são imbatíveis -, católicos, e muitos sem nenhuma filiação religiosa, se manifestando contra.
Esperamos que não avance, a reação está sendo muito grande".
Padre Julio Lancellotti viralizou ao tentar quebrar pedras sob viaduto Reprodução O que prevê o projeto? Para doar alimentos, as pessoas físicas deverão: Limpar toda a área onde será realizada a distribuição dos alimentos e disponibilizar tendas, mesas, cadeiras, talheres, guardanapos e "demais ferramentas necessárias à alimentação segura e digna, responsabilizando-se posteriormente pela adequada limpeza e asseio do local onde se realizou a ação"; Autorização da Secretaria Municipal de Subprefeituras; Autorização da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS); Cadastro de todos os voluntários presentes na ação junto à SMADS. Além dos requisitos descritos acima, as entidades e ONGs deverão: Razão social da entidade registrada e reconhecida por órgãos competentes do município; Apresentação de documento atualizado com informações sobre o quadro administrativo da entidade, com nomes e cargos dos membros e as devidas comprovações de identidade; Cadastro das pessoas em situação de vulnerabilidade social e informações atualizadas SMADS Os voluntários deverão estar identificados com crachá da entidade no momento da entrega do alimento; As documentações apresentadas pelas ONGs e entidades deverão ser autenticadas em cartório ou estar acompanhadas de atestado de veracidade. O texto também estabelece que o local em que os alimentos serão preparados deverão passar por vistoria da Vigilância Sanitária. A Prefeitura de São Paulo informou que, atualmente, não existe obrigação de TPU (Termo de Permissão de Uso) para entrega de alimentação às pessoas em situação de rua.
Oposição quer barrar A vereadora Luna Zarattini (PT) disse ao g1 que irá "buscar meios deste retrocesso não acontecer na nossa cidade".
" Em vez do Projeto incentivar as ONGs no combate à fome e à miséria na nossa cidade, estimula multas e penalidades através de muitos requisitos meramente burocráticos.
O vereador em questão tem histórico de perseguir aqueles e aquelas que tem se indignado com o crescimento da população em situação de rua que chega a 52 mil pessoas.
É um absurdo que neste cenário de abandono a grande preocupação seja com as ONGs e não com a fome", pontuou a parlamentar.
A covereadora Silvia Ferraro, do mandato coletivo Bancada Feminista do PSOL, disse que pretende obstruir a pauta da Câmara Municipal, caso o projeto siga para segunda votação. "Este projeto tem o objetivo de impedir a distribuição de alimentos para a população em situação de rua na cidade de São Paulo.
Coloca vários obstáculos irreais e várias burocracias para, na prática, acabar com a distribuição de comida para uma população extremamente vulnerável e famélica".
“O vereador autor do projeto quer matar de fome a população em situação de rua, burocratizando e impedindo na prática, a distribuição de alimentos para uma população extremamente vulnerável!”, completou.