DJs e produtores das zonas Sul e Norte de São Paulo estão chamando atenção pela produção dos ritmos 'ritmado' e 'bruxaria'.
Bruxaria e Ritmada: entenda as diferenças entre os ritmos de SP Os bailes funks da cidade de São Paulo viraram uma verdadeira indústria musical: são milhares de DJs que surgem, estúdios sendo criados e cada região alimenta um estilo musical predominante.
Na Zona Sul, por exemplo, o ritmo é a bruxaria, já na Norte - tem a ritmada.
Em 2020, no auge da pandemia, para muitos dos jovens DJs que estavam confinados em casa e começaram a produzir funk em larga escala, só uma coisa importava: ouvir suas músicas tocando em um paredão de som nos tradicionais bailes funk. Bruxaria e ritmado: funk varia de acordo com região da cidade de SP; entenda as diferenças Mercado hostil, masculinizado e focado em sexualização: mulheres relatam dificuldades para produzir funk em SP Mas além de movimentar a cena musical regional, esses estilos passaram a chamar atenção também fora do Brasil.
"E vocês [imprensa] só aparecem depois que a gente aparece na gringa", brinca a socióloga Maria Gabriela de Toledo Dayeh, que também é a DJ Dayeh. Em sentido horário, do topo esquerdo: DJ Dayeh, DJ João Marconex, DJ Lorrayne, MC Bibi Drak e DJ K.
Artistas do funk paulista falaram ao g1 sobre diferentes subgêneros em São Paulo Fábio Tito/g1 As zonas Norte e Sul têm os maiores bailes de rua, como o da Marcone (Norte) e do Helipa (Sul), mas outras regiões da cidade também têm seus ritmos característicos: Na Zona Leste, o "magrão", que mistura o funk atual com elementos dos funks antigos; Na Zona Oeste, o ritmado, com influências de berimbau e sax. João Marconex, DJ Dayeh e MC Bibi Drak.
Artistas de bruxaria e ritmado juntos em SP Fábio Tito/g1 Ao g1, DJs e especialistas explicam que essa separação se deu devido a fatores culturais, preferências musicais regionais e até mesmo rivalidades entre DJs.
A socióloga Maria Gabriela de Toledo Dayeh, que também é a DJ Dayeh, explica que a "bruxaria" é mais pesada e barulhenta, enquanto o "ritmado" é mais dançante, semelhante ao funk mainstream.
Para entender a diferença do funk da rádio para o funk que toca em baile é importante separar em categorias: O funk da rádio é o funk mainstream, aquele que é mais aceito pela sociedade - ou seja, Anitta, Ludmilla e Dennis DJ e toda música que domina os serviços de streaming; O "mandelão" é o funk de baile, criado e explorado por jovens que moram e frequentam as periferias paulistanas e investem em diversas maneiras de transformar o barulho - isso mesmo - em música, além de ser acompanhado por letras mais pesadas.
Esse tipo de música, ainda é visto com preconceito.
"O funk de baile está levando Dj pra fazer na Europa cara.
Tem gringo produzindo música igual a gente.
Isso prova que a gente ta cada vez mais próxima de chegar a nível que a gente nem imagina.
A gente sofre o preconceito por ser baile funk, mas estamos fazendo arte.
É isso que eu quero que quem não é nosso público veja: estamos para alegrar as pessoas e para mostrar a nossa arte, não é coisa de drogado, bandido, é arte", afirma Matheus Victorio, o DJ Mavicc, de 22 anos, que toca no Helipa. O DJ Mavicc começou a produzir funk depois da pandemia.
Ele sempre tocou bruxaria, mas, neste ano, está aos poucos migrando para o ritmado. "Comecei como hobbie no trap, em 2019, mas aos poucos, fui migrando para o funk porque é mais fácil de produzir, é mais sujo, você pega uma coisa ali, uma coisa aqui e fica bom.
Com a pandemia, fiquei sem emprego e perdido, sem saber o que fazer.
Comecei a produzir música.
Naquela época, a gente tinha uns grupos de funk no WhatsApp e jogava lá e alguém pegava e colocava em algum lugar na internet, foi assim que estourou minha primeira música, em 2021", afirma.
O que toca em cada região? DJ Dayeh e MC Bibi Drak antes de entrevista ao g1 em um estúdio em São Paulo Fábio Tito/g1 "Quando você colar no baile do Helipa, da DZ7, por exemplo, você vai estar na casa do funk bruxaria, que é mais pesado, mais barulhento.
Quando você vai para a [Zona] Norte, você chega na casa do ritmado, que é mais parecido com o funk mainstream - mais dançante.
Os dois ritmos fazem parte do 'mandelão' que só toca em baile de favela", afirma a DJ Dayeh, que só toca bruxaria.
O "pesado" citado pela DJ Dayeh vem do fato de a bruxaria ser mais agressiva, com influências de música eletrônica e elementos de filmes de terror, como gritos e risadas sinistras.
As produções são mais experimentais, usando áudio de WhatsApp e sons distorcidos.
O DJ K, de Heliópolis, é uma figura central nesse estilo. Já o ritmado tem batidas curtas e ressonantes que remetem à música das religiões de matriz africana.
DJ João Marconex, da Zona Norte, defende a ritmado como mais envolvente e dançante, com letras mais compridas e uma composição sonora mais limpa. As diferenças regionaispodem ser explicadas por dois fatores: O local de produção; A aceitação do público. Para Thiago de Souza, professor de música clássica e pesquisador de funk pela Universidade de São Paulo (USP), como os DJs já têm uma vivência sobre determinado local, eles exploram os elementos do ritmo que está tocando nos bailes, mas de uma maneira que evolui o som. "Tudo depende do baile, do contexto.
Geralmente, nas produções de funk, uma vai alimentando a outra, mas os DJs seguem as características das suas regiões.Tem bailes em que são DJs da própria região, então é uma coisa mais descompromissada, ele acaba tocando aquilo que produz, onde acontecem criações mais inusitadas.
A gente não sabe como exatamente vai criando essa diferença, o fato é que, quando uma pessoa se propõe a fazer uma criação, o outro não faz igual", afirma Thiago. Ouça as diferenças entre eles: DJ Dayeh: Zona Sul DJ João Marconex: Zona Norte DJ Vini da ZO: Zona Oeste "[A "bruxaria"] não é limpinha, bem-produzida.
Por uma questão estética, usa áudio do WhatsApp, usa som que a intensidade está bem alta, que distorce a frequência.
Lembra várias manifestações do rock, com muita distorção", afirma Thiago.
No baile do Helipa, o "pai" da bruxaria é o jovem Kaique Alves Vieira, o DJ K, que conversou com o g1 em 2023.
"Acho que a maior semelhança dos ritmos é que os dois lados gostam de remixar músicas antigas.
Esse negócio de mixagem é apoiado pelos dois lados.
A gente pensa que a bruxaria e o ritmado andam juntos nesse sentido.
Principalmente na bruxaria, que é muita montagem." DJ K ganha elogios da crítica internacional e prepara turnê europeia com 'funk bruxaria' No ritmado, como o próprio nome diz, o ritmo ganha mais destaque, e o intuito é fazer quem está no baile dançar.
"Não é um ritmo que tem uma ressonância grande, é um som bem curto, estacado, como se fosse um breve ponto rítmico, então essa pouca duração do som faz com que você tenha uma percepção melhor dos pontos rítmicos.
Acaba remetendo muito a uma 'macumba eletrônica'", compara Thiago. O professor chama de "macumba eletrônica" justamente pela presença de instrumentos que remetem a sons bem perceptíveis na música das religiões de matriz africana.
"A ancestralidade fica muito presente, você ouve a clave, o atabaque do maculelê, elementos do candomblé.
É um ritmo com muitos elementos musicais da costa oeste africana, do afrobeat da Nigéria, só que mais agressivo, porque a música de baile é mais agressiva", afirma.
E, de certa maneira, existe uma relação entre as religiões de matriz africana e a Zona Norte.
Segundo a pesquisadora Laíza Santana Oliveira, também da USP, a região Noroeste da cidade, que integra a Norte, na Brasilândia, é tida por historiadores como um dos locais que teve os primeiros terreiros de candomblé da capital. "No funk da Zona Norte, são batidas de uso de atabaque, por exemplo, que se parecem muito com cantos de terreiros de candomblé.
A própria estrutura do funk como um 'tchutchutchatcha' também lembra alguns pontos de umbanda, principalmente pela repetição do ritmo.
Essas semelhanças têm um fio que conecta o legado das populações africanas que foram trazidas à força para o Brasil por mais de 300 anos", afirma. "Vale reforçar que, justamente na região Noroeste da cidade, passaram a morar na região mais de 1.900 famílias negras ao longo do século XX.
Justamente quando era produzida uma sociabilidade muito pautada pela música, daí vieram as rodas de jongo, a capoeira, as religiões que foram sendo sincretizadas ao catolicismo, o samba, o pagode e, mais para o fim do século XX, o rap e o funk".
completa.
Como é feita uma bruxaria? A bruxaria pode ser considerada, atualmente, uma vertente mais experimental do funk.
Ela já chegou até ao rapper americano Kanye West, que atualmente adota o nome de Ye.
É composta por: sample (um trecho de alguma música/produção já existente, mais aguda e robótica); assovio (geralmente bem fino); muitos elementos agudos e estourados. Em agosto de 2023, um trecho da música "Faz Macete 3.0", do DJ Roca, de Osasco, na Grande São Paulo, com Vitinho Beat, viralizou no Twitter gringo.
O engajamento foi tanto que a música chegou ao rapper americano, que usou um sample do DJ Roca na música "Paperwork".
Kaique define a bruxaria como uma mistura do que é ouvido e visto em filmes de terror e suspense, só que em formato musical.
Em alguns momentos, o silêncio é utilizado para potencializar todo o barulho que virá depois.
"A informação que a gente leva na bruxaria é um lado que é mais rave, mais eufórico, um lado musical mais contagiante.
Porque a gente coloca muita informação dentro das músicas de bruxaria, 'tuins', samples de rock, samples mais finos, muita coisa repetitiva.
Então, é como se fosse uma rave da favela, só que mais pesada.
Uma rave com rock e um toque de funk.
Essa é a bruxaria", afirma.
DJ K Fábio Tito/g1 Para Kaique, as músicas produzidas por ele se casam com a realidade da periferia.
Quando começou, misturava elementos do rock e de filmes de terror e colocava tudo em uma faixa só.
Kaique está quase sempre encabeçando o baile do Heliópolis.
Quando questionado se não toca ritmado no baile e sobre a rivalidade entre DJs, ele afirma que toca os que "fazem sucesso".
"Digamos que é 80% bruxaria e 20% dos outros ritmos.
Não tem rivalidade, tanto que vem DJ de ritmado tocar no Helipa e vai DJ de bruxaria tocar na Marcone.
Então não vejo como algo nosso, é mais algo que o público já espera de cada baile, já é algo meio polarizado." Como é feita uma ritmada? DJ João Marconex, de ritmado da Zona Norte de SP Fábio Tito/ g1 "Ritmado é vida, é mais gostoso, você escuta mais a letra, você dança mais, curte melhor", diz o DJ João Marconex para defender seu ritmo.
Cria da Vila Maria, na Zona Norte da capital, o jovem de 22 anos fez carreira no baile da Marcone.
É composto por: beat com instrumentos como conga, tambor e etc; o beat recebe uma marcação, uma espécie de buzina; a música recebe uma melodia que "ritma" o som, literalmente dando ritmo; o ritmado é mais limpo de barulhos e a composição do MC é mais longa do que na bruxaria. João é um defensor árduo...